A
COMUNA NÃO ESTÁ MORTA!
(La Commune n’est pas morte!)
A Comuna de Paris, proclamada a 18 de Março de
1871 pelo operariado e pelo povo de Paris, frente ao despotismo e
corrupção dos governantes, Napoleão III
e Thiers, conluiados com os então
invasores prussianos e o seu chefe Bismarck, após o fim da guerra franco-prussiana
de 1870, foi “mais do que a última revolução plebeia ou a primeira revolução
proletária (…) uma experiência de auto-instituição, um acontecimento que possui
autonomia, não apenas pela sua ousadia, mas pela suas singularidades (…), uma
linha divisória dos tempos (…), um antes e um depois absolutamente antagónicos
e aparentemente irreconciliáveis”
(extraído do livro “Negras tormentas –o federalismo e o internacionalismo na
Comuna de Paris” , de Alexandre Samis).
Muitos dos
impulsionadores da Comuna (Varlin, Ferré, Duval, Denise…) eram elementos ativos
da AIT-Associação Internacional dos Trabalhadores - entretanto extinta num
congresso nos Estados Unidos em 1869 pela fação adepta de Marx – mas que sempre tinha animado
fortemente e de forma libertária a organização do proletariado francês.
Ao contrário das
interpretações de Marx após a Comuna de Paris, muito vulgarizadas pela
literatura marxista-leninista, a Comuna NÂO FOI a “ditadura do proletariado”,
pelo menos no sentido que Marx lhe deu: nem havia nela uma UNICIDADE ideológica
como acabou por se passar no desenvolvimento da
revolução russa de 1917 (as
tendências existentes entre o operariado e o povo na Comuna eram várias e iam
para além dos internacionalistas da AIT) nem se visava criar nenhum exército
permanente nem nenhuma máquina estatal. A Comuna de Paris era o POVO EM ARMAS , organizado de
forma FEDERADA , com as suas assembleias escolhendo os diversos delegados para
as diferentes tarefas mas REVOGÁVEIS A QUALQUER MOMENTO, não tendo nada a ver
com o chamado “centralismo democrático” leninista, nem se buscava com a Comuna
criar qualquer forma de estatização dos meios de produção (como se viria a
passar nas várias experiências de “socialismo real” ou de capitalismo de
Estado) mas sim a sua COLECTIVIZAÇÃO pelos trabalhadores e pelo povo. O operariado parisiense e francês em
geral, estava muito mais influenciado pelas ideias mutualistas de Proudhon e
coletivistas de Bakunine do que pelo estatismo “socialista” defendido por Marx.
A Comuna de Paris
mesmo que esmagada pela reação burguesa francesa e prussiana, continuou a ser
um marco separador entre todas as ideias de “recuperação” do Estado, defendidas
por todos os marxistas (à exceção de alguns ditos “conselhistas” – adeptos do
sistema de Conselhos da revolução alemã de 1918 e do início da revolução russa)
e a ideia anarquista da necessária DESTRUIÇÃO DO ESTADO como forma primeira de
destruir o CAPITALISMO.
É interessante hoje,
após os nítidos falhanços dos projetos marxistas de instauração do “socialismo”
e do “comunismo” através da “conquista do poder” de Estado, para iniciar a
destruição do capitalismo, notar que
este apenas saiu mais reforçado com a sua transformação em “capitalismo de
Estado” combinado até, como na China ou na Coreia do Norte atuais, com diversas
formas de grande capitalismo privado. Estes falhanços históricos, ainda que
ainda hoje iludidos em muitos meios operários onde os diversos marxismos
leninismos ainda gozam de alguma influência quase “religiosa”, foram exatamente previstos pelo anarquista Miguel
Bakunine, entre os anos 60 e 80 do século 19, há mais de 150 anos.
Sobre a Comuna de
Paris, os seus acontecimentos e o papel neles de Marx e de Bakunine, poderemos dizer hoje
que este último, batendo-se nas
tentativas de sublevação de apoio à Comuna em Lyon e em Marselha, deu o sangue
do seu corpo enquanto Marx, ao tempo refugiado em Inglaterra junto do seu amigo Engels, deu o sangue…da
sua caneta!
A INFLUÊNCIA DA
COMUNA EM PORTUGAL
Há aquele célebre
episódio, em que Pinheiro Chagas,
jornalista e deputado monárquico, por volta de 1875, depois de ter escrito no
seu jornal “Diário da Manhã” um artigo em que ridicularizava de forma baixa, a
anarquista participante na Comuna, Louise Michelle, levou do anarquista Manuel
Joaquim Pinto , além de uma resposta
jornalística no jornal português da AIT “Revolução Social”, umas bengaladas à
saída do parlamento…
De resto, a Comuna
de Paris influenciou fortemente o desenvolvimento dos movimentos operário e
anarquista em Portugal em fins do século 19 e inícios do século 20. Não é por
acaso que uma das publicações mais importantes de então na divulgação das
ideias anarquistas, sobretudo no Porto, antes e após a revolução
republicana de 1910, tem exatamente o
título “A Comuna”.
Nos tempos de hoje,
quando o Estado e o Capitalismo teimam mais uma vez em fazer-nos pagar o preço
das suas “crises” com as várias austeridades e misérias, podemos e devemos ainda
inspirarmo-nos no exemplo da Comuna para alimentar o nosso espírito de rebeldia
e de revolta frente ao autoritarismo, prepotência e imbecilidade de
governantes, políticos reformistas e burgueses em geral, porque afinal a ideia
da Comuna NÃO ESTÁ MORTA!
“On a bien fusilé Varlin
Flourens,
Duval, Miliére
Pierre Rigault, Tony Moilin
Gavé le cemitiére
On lui croyait couper
les bras /Et lui vider l’aorte…
TOUT ÇA N’EMPÊCHE PAS
NICOLAS LA COMMUNE N’EST PAS MORTE”…
Lá fuzilaram Varlin/ Flourens,
Duval, Miliére/ Pierre Rigault, Tony Moilin
Encheram o cemitério…
Creram ter-lhe cortado os braços/ E
esvaído-lhe a aorta…
De nada lhes valeu , Nicolas – A
COMMUNA NÃO ESTÁ MORTA!
Z.P
Porto, 18 de Março
de 2014
BREVE CRONOLOGIA
( ANO DE 1871)
26 de fevereiro : Assinatura das
preliminares de paz com a Prússia.
1º de Março: Simbolicamente, as
tropas prussianas entram em Paris e desfilam nos Champs – Elysées.
3 de Março: Constituição do Comité
central da Guarda Nacional.
10 de Março: Pacto de Bordeaux,
entre as diferentes partes do governo, suspendendo toda a decisão sobre a
natureza do regime.
17 de Março: prisão do socialista
revolucionário Louis Auguste Blanqui.
18 de Março : comuna de Paris
(ventôse-prairial ano 79) : insurreição revolucionária com evidente
protagonismo das mulheres.
Fracasso da tentativa de das tropas governamentais de apoderar-se dos
canhões de Montmartre.
20 de Março: O governo e a Assembleia
Nacional instalam-se em Versalhes.
23 de Março: Os vinte prefeitos dos
distritos de Paris vão à Assembleia Nacional
Para tentar uma conciliação.
26 de Março: Eleições da Comuna de
Paris.
28 de Março: Proclamação da Comuna de
Paris na Prefeitura.
29 de Março: Louis Rossel, oficial do
exército francês adere à Comuna.
14 de Abril: Nomeação de Louis Rossel
ao cargo de Presidente da Corte Marcial.
30 de Abril: Nomeação de louis Rossel
ao cargo de ministro delegado da guerra substituindo Cluseret.
10 de Maio: Pelo Tratado de
Frankfurt, a França perde a Alsácia e uma parte da Lorena ; essa perda é
sentida pela França como um profundo trauma. Além disso, a França deve pagar 5
bilhões de indeminização ( 4,9 são reunidos por uma subscrição nacional aberta
em 27 de Junho).
Em consequência desse tratado, cerca de 160.000 alsacianos e lorenos,
recusando-se a tornarem-se alemães deixam as provincías perdidas e instalam-se
no território francês.
14 de Maio: Criação do Território de
Belfort a partir do antigo distrito de do Alto –Reno não anexado pelo Império
alemão.
16 de Maio: Os comunalistas
/repartidores /federados , põem abaixo a estátua de Napoleão na praça Vendôme.
18 de Maio: A Assembleia Nacional,
reunida em Versalhes, ratifica o tratado de Frankfurt.
21 a 28 de Maio: “ Semana sangrenta “que
verá Paris, até ali nas mãos dos comunalistas /repartidores/federados,retomada
pelas tropas versalhesas.
27 de Maio : Queda do último bastião
comunalista
28 de Maio: Execução dos defensores
da Comuna de Paris diante do muro dos Federados. Fim da experiência de governo
popular
Retirado da obra: “A Comuna de Paris : Uma Aventura Socialista” , de
Alexandre Samis