Ao abordar o tema PEDAGOGIA (ou PEDAGOGIAS) LIBERTÁRIA não podemos
deixar de o ligar à sua génese ANARQUISTA e à figura de Ferrer Guardia e
à sua ligação ao movimento anarco-sindicalista do início do século
20. Mais do que qualquer outra, a ideia de uma escola moderna, e de
uma educação baseada no racionalismo e na desmontagem de todas as
superstições religiosas sociais e políticas, a iniciativa de Ferrer
Guardia ia a par do desenvolvimento de um proletariado combativo e
organizado contra a exploração capitalista e a opressão do Estado – e
tinha como alvo a educação integral das crianças filhas do proletariado,
fora das mordaças das igrejas e dos poderes do Estado e do Capital. E
foi por isso, no seguimento dos grandes levantamentos operários e
populares, sobretudo na Catalunha, que Ferrer Guardia foi condenado à
morte e fuzilado, aliás, no mesmo ano (1906) em que é criada a
anarco-sindicalista CNT – Confederación Nacional del Trabajo. À
monarquia espanhola e aos privilegiados latifundiários e senhores da
indústria, não convinha uma escola que ensinasse aos proletários e seus
filhos, que não é no “Céu”, depois de mortos, que há que alcançar
qualquer “paraíso” mas sim aqui na Terra, onde as desigualdades, as
opressões , as injustiças existem…-e que há que lhes pôr fim.
Com efeito, nesse período, não apenas em Espanha mas em muitos outros
países –e em Portugal também – o desenvolvimento do movimento anarquista
e das organizações operárias, como os sindicatos revolucionários (UON
primeiro e CGT mais tarde), associações populares, cooperativas, ia a
par da criação de escolas operárias nesses organismos de base, de
círculos de estudos sociais, de grupos de alfabetização, dos quais, os
principais centros industriais como o Porto, Lisboa, Setúbal , foram
férteis. Nesse mesmo período, em Inglaterra foi criada a “Pleb´s
League”, a Liga dos Plebeus, com o objectivo expresso de cultivar e
instruir o proletariado inglês daquele tempo, a braços com a exploração
infame a que a “democrática” burguesia britânica o submetia, com
jornadas de trabalho de sol a sol, com trabalho infantil, com aviltantes
e terríveis condições de trabalho…
A par do desenvolvimento das lutas sociais foram-se sempre desenvolvendo
entre os meios laborais experiências de (auto-)educação popular, desde
as experiências da escola de Goulai-Poulai, na Ucrânia, animada por
Tolstoi em meados do século 19, à Alemanha dos anos 20 com as Comunas
Infantis em Berlim e Hamburgo, ligadas ao desenvolvimento da FAU-D
(Freie Arbeiter Union – Deutschland , secção alemã da AIT ) como de
resto, na mesma época, em Inglaterra, na Suiça, na Itália, na França, na
Áustria e na Holanda, e nada disso está separado de movimentos
operários – que tentam contrabalançar o crescendo nacionalista, fascista
e nazi.
Seguir-se-ão as experiências de redes de educação popular , durante a
ocupação nazi da França, animadas pelo autodidata Freinet, e mais tarde,
a alfabetização e educação popular nas favelas brasileiras,
impulsionadas através das ideias da Pedagogia do Oprimido, de Paulo
Freire, às escolas dos “assentos” dos Sem Terra, nas ocupações de terras
do Brasil e nas ocupações no México do ZPLN e dos Magonistas.
Algumas destas experiências decerto que escapam por vezes à
classificação de LIBERTÁRIAS no sentido ideológico do termo, mas abrem
brechas na chamada “educação institucional”- sempre tendente a formatar
crianças e adultos nos “valores” dominantes ( a competição, o
afastamento da lutas sociais, o egoísmo social, etc.).
Algo profundamente ligado ao conceito de EDUCAÇÃO LIBERTÁRIA é o
AUTO-DIDATISMO organizado, e as várias experiências surgidas na Suécia
(O. Olssen) e na Alemanha após a II Guerra Mundial e durante os anos 60
e 80: os Círculos de Estudos, organizados pelas próprias pessoas
interessadas num dado tema e que tanto serviriam para apreender em
pequeno grupo uma qualquer técnica como para conhecer uma qualquer obra
literária. Um seu desenvolvimento na Berlim “alternativa” dos anos 80
foram também as “Bolsas de Aprendizagem” (Lernen Boerse), orientadas
segundo uma “velha” máxima de B.Brecht, que dizia que “se o que não
sabe é um ignorante, o que sabe e não passa aos demais aquilo que sabe é
um criminoso”…
Muitos outros exemplos se poderão dar ainda de movimentos activos de
educação e pedagogia libertária e educação popular no mundo inteiro.
Também hoje, aqui e agora , frente à “crise” que banqueiros e
governantes impõem que seja a maior parte da população pauperizada a
pagar, frente ao aumento do ”intox” oficial (consome, consome,
“empreendedorismo”, lixa-o-parceiro-do-lado-para-
teres suce$$o,
etc, etc…) nos tentam a todas e todos fazer aceitar as soluções vindas
do alto da burra ou do alto do Estado. E enquanto nos preocupamos com
que nós e os nossos filhos possamos ter o último modelo de “té-lé-lé”,
ELE$, os de cima e os de sempre, vão-nos roubando o tempo e a vida! É
tempo de os recuperarmos! É tempo de ler mais e ver menos TV!
É tempo
de criarmos entre nós CIRCULOS DE ESTUDOS LIBERTÁRIOS, GRUPOS DE AR
LIVRE E AVENTURA COM OS MAIS NOVOS – a par de todas as iniciativas
populares e laborais com que possamos “meter o pauzinho nas engrenagens
que nos apertam”…
Por nós, tentamos dar alguma ajuda nesse sentido.
*Texto de Zé P. (militante anarco-sindicalista)
Dez.2015
Círculo de Estudos Sociais Libertários – c/ Sindicato de Ofícios Vários da A.I.T.-SP, Porto