Alguns membros da ZSP de Varsóvia estão a ser processados por um vídeo que fizeram e colocaram na Internet. Outros membros do Comité de Defesa dos Inquilinos também estão a ser processados porque o vídeo em questão estava no seu site. O vídeo documenta os problemas de duas famílias que estão a ter problemas com a sua senhoria, que os quer despejar desde há anos.
O vídeo destinava-se a dar uma voz aos inquilinos num sistema que é extremamente unilateral, ignorando os seus direitos e não garantindo sequer que eles estejam protegidos pelos direitos que a lei lhes confere.
O vídeo, de 35 minutos, feito em Janeiro de 2010, mostra a situação dos inquilinos em luta para manter as suas casas. Eles são obrigados a utilizar uma casa de banho pré-fabricada no meio da neve porque a fossa sanitária das suas casas apareceu misteriosamente destruída. Também filmámos a forma como a senhoria tentou que o gás fosse desligado por um homem que a mesma apresentou como se fosse um empregado da companhia do gás. Essa situação adquiriu contornos sombrios. Ela também pediu à companhia eléctrica que desligasse a electricidade alegando que ninguém vivia lá.
Os inquilinos descreveram esta história de assédio e a forma como foram tratados ao longo dos anos por aqueles a quem pediram ajuda. Um inquilino tentou que a polícia interviesse contra o assédio de que era alvo, e que incluía infracções à lei de protecção dos inquilinos e à lei da saúde e saneamento. Ele mostrou como a polícia ignorou em absoluto o caso, considerando-o um «assunto privado», como se se tratasse de uma discussão doméstica. Outro inquilino mostrou pilhas de documentos, que representavam outras tantas tentativas inúteis de lutar através das vias legais. Entre os documentos, encontrava-se uma curiosa carta proveniente do gabinete do procurador público. Foram apresentados aos inquilinos documentos com assinaturas falsificadas. O gabinete do procurador entendeu que as assinaturas eram efectivamente falsas, mas declarou que não nada iria fazer relativamente a isso.
Esta é uma situação muito típica na Polónia, onde os inquilinos, ou outros, descobrem que não podem utilizar o sistema legal numa luta contra alguém com dinheiro, poder, ou contactos. Por outro lado, terão que enfrentar a sua parcialidade se tentarem lutar.
Foi o que aconteceu ao nosso companheiro, a pessoa que mais falou no filme. A senhoria está a tentar despejá-lo e levou-o a tribunal. A parcialidade da juíza foi impressionante. Durante a audiência, ela exprimiu a opinião de que havia qualquer coisa errada com pessoas como ele, que estavam à espera de que o seu direito a uma habitação fosse respeitado e que ele tinha que entender que, se quisesse uma casa, tinha pedir um empréstimo ao banco e trabalhar 40 anos para o pagar. Esta lição de ideologia não só foi absolutamente desadequada, vinda da parte de uma juíza que supostamente devia ser imparcial, como se tornou inclusivamente grotesca, se levarmos em conta que a pessoa a quem se dirigia tem 60 anos de idade e que pessoas assim não estão em condições de poderem pedir empréstimos bancários. Além disso, ele teve que pedir apoio jurídico. A sua situação financeira é tal, que o próprio processo representa um fardo enorme. A sua esposa é reformada e está doente, e ele próprio sofre de problemas de saúde, com um caso grave de hipertensão, mas não pode pedir a reforma por causa aos seus problemas de habitação. A juíza repreendeu-o por ter pedido apoio jurídico, dizendo-lhe que devia ter vergonha de si mesmo, e perguntando-lhe porque é que os contribuintes tinham que lhe pagar um advogado, já que ele tinha um emprego.
(As testemunhas presentes no Tribunal fizeram queixa contra a juíza, pedindo que ela fosse afastada do caso. Surpreendentemente, isso resultou.)
Numa tal atmosfera, o Comité de Defesa dos Inquilinos sente que é essencial tornar tais histórias conhecidas do público, dar uma voz às pessoas e colocar um rosto humano nas tragédias decorrentes da privatização e da falta de acção suficiente por parte das autoridades para proteger os inquilinos e pelo menos garantir que os mesmos terão acesso a uma habitação substituta quando os direitos de propriedade dos edifícios são cedidos a privados. Também houve pessoas enviadas pelo município para alojamentos privados. Muitos inquilinos, que tinham recebido habitação social, foram transferidos para os privados juntamente com a casa, como se fossem peças de mobília. O município não se importa com o facto de ter assinado um contrato de alojamento com estas pessoas e só encontra alojamento de substituição para uma pequena fracção delas. Os idosos e os trabalhadores com baixos rendimentos são os mais atingidos, uma vez que não conseguem pagar um alojamento no mercado privado e não conseguem encontrar trabalhos melhor remunerados, ou trabalhar simultaneamente em três empregos para conseguirem pagar as contas.
Muitos meses depois deste vídeo ter sido publicado, recebemos uma carta exigindo a sua remoção. Caso contrário, seríamos processados. Aparentemente, a senhoria ficou ofendida porque as pessoas que viram o filme fizeram comentários negativos sobre dela na secção de comentários da página.
Para nós, a sugestão de que censuremos todos os comentários negativos de que foi alvo a senhoria constitui uma violação obscena da liberdade de expressão e de consciência. Além disso, indigna-nos a elevada incidência do recurso à intimidação judicial que neste país se emprega contra as pessoas comuns para sufocar todo o ponto de vista crítico ou comentário à vida pública. Isto conduz a uma situação em que as pessoas têm medo de falar e os media, de qualquer género, têm medo de publicar muitas coisas. Neste contexto, sentimos que urge proteger os pouquíssimos media que permitem aos trabalhadores, inquilinos, e outros, prejudicados por aqueles com poder e dinheiro, contar as suas experiências e exprimir as suas opiniões.
O catálogo dos processos levantados na Polónia contra os internautas que exprimem pontos de vista críticos é assustador e revela toda a extensão do problema que existe neste país relativamente à liberdade de expressão. Podemos mencionar, entre os processos recentes de maior notoriedade, os raides e prisões de que foi alvo uma pessoa que criou um site satírico contra o presidente, o processo contra outra pessoa que criticou a competência de um presidente da câmara, ou ainda a longa e intensa investigação na Internet para encontrar os «criminosos» que fizeram uma cruz com latas de cerveja e, consequentemente, «ofenderam as sensibilidades religiosas das pessoas». Tal como os trabalhadores despedidos, que têm que fazer frente a conceitos tão vagos e abstractos como «agir em detrimento da empresa», que constituem razões legais para o despedimento, os internautas também têm que enfrentar leis vagas e parciais que os podem levar à barra dos tribunais por «ofenderem as pessoas» ou «atacarem a reputação de alguém».
O nosso ponto de vista é que, se a verdade danificar a reputação de alguém, isso não é problema nosso. O interesse público em alertar as pessoas contra coisas como o assédio em casa ou no trabalho, o abuso de poder ou de posição é, não apenas importante, como essencial para quem queira lutar contra essas coisas. Com especial relevo nos países onde o sistema legal é ineficaz e parcial, a comunicação com as outras pessoas torna-se uma das nossas principais armas nas lutas sociais.
E devemos salientar que as acções da parte do Estado só confirmam a crítica que fazemos dele e a necessidade de as lutas serem travadas através da acção directa, sem nada esperar do sistema.
Recebemos há algum tempo os papéis relacionados com o processo – 800 páginas, a maior parte delas enviadas ao Tribunal com a intenção de desacreditar os inquilinos e a nossa organização. Nada disso nos assustou e só nos tornou mais determinados em lutar.
O nosso caso vai a Tribunal a 11 de Julho e poderá arrastar-se durante algum tempo. Pedimos às pessoas para apoiarem esta luta divulgando o caso que também irá, de um modo mais geral, chamar a atenção para os problemas que enfrentam os inquilinos e a liberdade de expressão. Também pedimos aos indivíduos e organizações que apoiam a luta dos inquilinos que pensem em enviar um donativo para a nossa organização. Tanto a ZSP como o Comité de Defesa dos Inquilinos são organizações inteiramente auto-financiadas que, de tempos a tempos, precisam de algum dinheiro extra quando são confrontadas com certas lutas. Pedimos àqueles que nos queiram ajudar para entrarem em contacto connosco através do email info@zsp.net.pl, para saberem mais detalhes.
O filme que fizemos pode ser visto aqui:
http://lokatorzy.info.pl/jak-bozena-bartczak-niszczy-rodziny-w-wawrze/
O filme está em Polaco, mas pensamos em fazer brevemente uma versão inglesa do mesmo.
ZSP - Polónia