Reproduzimos a tradução para português de uma declaração da Iniciativa Anarco-Sindicalista (ASI), secção sérvia da AIT, datada de 4 de Abril de 2010, sobre o caso dos 6 de Belgrado e a repressão exercida pelo Estado da Sérvia sobre o movimento libertário. Apela-se à realização de acções de protesto que conduzam ao fim da repressão sobre os anarquistas neste país.
A classe dirigente da Sérvia continua a repressão reforçada contra o movimento libertário, uma repressão que teve início com a detenção dos seis de Belgrado – Sanja Dojkić, Tadej Kurepa, Ratibor Trivunac, Ivan Vulović, Nikola Mitrović e Ivan Savić – em Setembro de 2009. O grupo “Crni Ilija”, até então desconhecido, reivindicou a responsabilidade pelo lançamento de duas garrafas de líquido inflamável no pavimento perto da Embaixada da Grécia em Belgrado, como reacção contra o tratamento desumano dado pelo Estado Grego aos rebeldes, causando danos à Embaixada no valor de 18 euros. Os media do regime, apoiados pelos analistas do regime e por “fontes bem informadas”, lançaram uma perseguição contra a única organização anarquista que actua publicamente na Sérvia – a Confederação Sindical “Iniciativa Anarco-Sindicalista” (ASI), secção da Associação Internacional dos Trabalhadores. Aquilo que começou como uma especulação mediática sobre a ligação entre a ASI e os acontecimentos da Embaixada foi completado com a detenção de quatro membros do grupo local da ASI em Belgrado e de outros dois anarquistas desta cidade e, mais tarde, após a intervenção de “altos cargos”, com o agravamento da primeira acusação para a de crime de “terrorismo internacional”. Os 6 de Belgrado passaram cerca de cinco meses e meio em terríveis condições de isolamento e de tortura na Prisão Central de Belgrado.
A reacção à manifesta arrogância e às visíveis acções repressivas do Estado, reflectidas na fabricação de provas contra os anarquistas e na absurda qualificação desta acção como “terrorismo internacional”, serviu de base para a mobilização massiva da opinião pública crítica contra este processo, que foi imediatamente rotulado como um processo político contra os críticos do regime. Durante o período em que os 6 de Belgrado permaneceram sob custódia, a opinião pública, tanto na Sérvia e na sua região como no mundo inteiro, reagiu energicamente contra o comportamento das autoridades sérvias. Além de grande número de petições públicas e de cartas de protesto, o movimento libertário organizou uma série de acções de protesto – na Sérvia, bem como na Croácia, Macedónia, Eslovénia, Polónia, Eslováquia, Portugal, Áustria, Austrália, Grã-Bretanha, Rússia, Ucrânia, Grécia, República Checa, Holanda, Bulgária, Alemanha, Hungria, Itália, França, Turquia, EUA, Suíça, Suécia, Espanha, etc... Os protestos e actividades de apoio aos anarquistas presos contaram com a participação de muitos intelectuais, artistas e figuras públicas, críticos de todo o território da antiga Jugoslávia. O interesse provocado pelo caso e a pressão pública desempenharam, sem dúvida, um papel crucial na revogação da detenção dos 6 de Belgrado. Durante a primeira audiência, que teve lugar no dia 17 de Fevereiro, à qual tentaram assistir mais de 200 pessoas da Sérvia e de outros países, o tribunal decidiu pela revogação da detenção preventiva após ouvir as declarações dos réus, permitindo aos anarquistas acusados a continuação da sua defesa em liberdade.
Apesar da vitória obtida com a libertação dos acusados, que possibilita a sua defesa em liberdade, o Estado, durante todo o período de detenção, durante o julgamento e após o mesmo, demonstrou claramente que não pretende reduzir a pressão sobre a ASI e sobre o movimento libertário em geral. Logo no final de Outubro de 2009, três membros do grupo local da ASI em Vršac – Ivan Feher, Nenad Horvat e RK – foram detidos por colarem cartazes com a frase “Liberdade para os anarquistas detidos” num local próprio para este fim. As autoridades montaram contra eles um processo criminal com a acusação do recente e muito controverso crime de “obstrução à justiça”. Um processo pelo mesmo crime foi também movido contra outros dois anarquistas – Rada Živadinović, cidadão sérvio residente em Viena, e Davor Bilić, de nacionalidade croata – que se deslocaram a Belgrado por ocasião do julgamento para manifestar apoio aos companheiros presos. Na entrada do tribunal, desdobraram um papel com a frase escrita à mão “Anarquismo não é terrorismo” e afixaram-no contra a janela da sala da audiência durante alguns segundos. Os dois foram imediatamente detidos pela polícia, permanecendo detidos por um período superior ao legalmente permitido, após o que foram libertados, mas acusados de “obstrução” e com os seus passaportes confiscados. Há mais de um mês e meio que estão impedidos de sair da Sérvia, tendo as investigações demonstrado que o juiz Dragomir Gerasimović não foi obstruído no desempenho das suas funções por esta acção. Apesar disto, a procuradora do ministério público Svetlana Nenadić decidiu, a 23 de Março, a instauração de mais um processo político, que desta vez se destaca pelo facto de não haver nenhuma parte lesada. Após ter sofrido uma primeira derrota no julgamento, o Estado decidiu utilizar formas alternativas de repressão e intimidação contra os anarco-sindicalistas. No início de Março, surgiram cartazes com o título “Conhece os teus vizinhos! Conhece os inimigos da Sérvia!” perto da entrada de um bloco de prédios em Belgrado. No cartaz figurava a fotografia de um dos anarco-sindicalistas de Belgrado acusados, Ivan Vulović, que vive no bloco mencionado. O apelo ao linchamento contém uma lista fictícia de “crimes” cometidos pela ASI e a frase “se um tribunal corrupto não os julgar, haverá quem o faça”, bem como a ameaça de natureza fascista-policial “Sabemos onde vives, sabemos quando dormes”.
Desde o início desta onda de repressão contra a ASI, muitos dos seus membros estão sob constante vigilância policial e são regularmente ameaçados e interrogados pela polícia. A polícia criou uma atmosfera de medo no seio do movimento, que causou a paralisação de muitos companheiros, e só após a libertação dos 6 de Belgrado começámos a ver os primeiros passos de uma séria reconstrução do movimento e da Iniciativa Anarco-Sindicalista. Apesar de ter desestabilizado partes do movimento, e de ter de facto empurrado a nossa organização para a ilegalidade por um período determinado, a onda de repressão não nos destruiu, e agora, enriquecidos com novas experiências e fortalecidos nas nossas ideias, conseguimos construir posições que nos permitirão começar a ripostar.
No período que se seguiu à primeira audiência, Ivan Savić e Ratibor Tribunac encontraram-se com o Provedor de Justiça da República da Sérvia Saša Janković e com o seu adjunto para os direitos das pessoas privadas de liberdade, Miloš Janković. Foram-lhes apresentadas provas da tortura sofrida por Ivan Savić, a quem os guardas tentaram extorquir, por meio de estrangulamento, a confissão de que planeava matar o cônsul grego em Belgrado com duas bombas defensivas, e foram-lhes dadas informações sobre as violações dos direitos sofridas por Ratibor Trivunac enquanto esteve detido. Durante a reunião com o Provedor de Justiça, o mesmo foi informado de que qualquer nova escalada legal, sob a forma de casos fabricados contra os anarco-sindicalistas de Vršac e contra os companheiros cujos passaportes foram apreendidos, não será tolerada, enquanto que o Provedor salientou especificamente a privação ilegal de liberdade que foi levada a cabo pelas autoridades judiciais contra Rada e Davor após o fim do limite de 48 horas de detenção. No mesmo período, membros dos seis de Belgrado foram contactados por representantes da União Europeia que propuseram uma reunião a respeito do caso.
Na terça-feira, 23 de Março, realizou-se a segunda audiência contra os seis anarquistas de Belgrado. Chantageados com a possibilidade de adiamento do julgamento por mais um mês e de prolongamento do processo-farsa por tempo indetermindado, os réus foram forçados a participar na segunda audiência sem a presença do público interessado, que de novo se reuniu em grande número nos corredores do tribunal. Mesmo os familiares próximos foram impedidos de acompanhar a audiência. Os acusados e os seus advogados apenas puderam tomar conhecimento de que as acusações tinham sido alteradas de “terrorismo internacional” para “criação de perigo público” através dos media, que divulgaram a declaração do porta-voz do gabinete do ministério público Toma Zorić. Nem os acusados nem os seus advogados foram informados de qualquer mudança na acusação antes da segunda audiência e só puderam tomar conhecimento da mesma no dia do julgamento – durante a pausa que lhes foi concedida para esse fim pelo juiz Dragoljub Gerasimović, que agora está a conduzir o julgamento de forma sumária. Segundo a nova acusação, os seis anarquistas de Belgrado são acusados de cumplicidade e execução do ataque contra a Embaixada da Grécia em Belgrado com o objectivo de apoiar o rebelde grego Theodoros Iliopoulos “cometendo, portanto, um crime de criação de perigo público”. A mudança da acusação foi produzida por uma nota do gabinete do Ministério Público de Belgrado em 22 de Março e foi entregue a um tribunal superior em Belgrado. A nota afirma na primeira frase que os documentos do objecto criminal K-1633/10 são devolvidos ao tribunal “juntamente com a acusação alterada que indica que”, repetindo a seguir quase literalmente o texto da primeira acusação, no qual, sem qualquer explicação, somente foram alterados o nome do crime de que os réus são acusados e os parágrafos da lei criminal que são geralmente usados para este tipo de casos. Contrariamente à primeira acusação, devido à pressão pública, o gabinete do ministério público decidiu abandonar a tentativa de criminalização da nossa organização. Assim, nesta versão da acusação, não existe a afirmação de que o ataque foi levado a cabo pela organização da Confederação Sindical “Iniciativa Anarco-Sindicalista” (ASI). Baseando-se na acusação fabricada, qualificando pela segunda vez como crime pelo qual os 6 de Belgrado são acusados o pequeno delito praticado por indivíduos desconhecidos em frente da Embaixada da Grécia em Belgrado, o Estado dá continuidade à repressão sobre libertários e membros proeminentes da nossa organização. As contradições que constituem larga parte da acusação são a base através da qual a defesa dos acusados tem vindo a demonstrar, com grande sucesso, o vazio das acusações do ministério público. Como exemplo, foi de novo confirmado que Ivan Savić e Nikola Mitrović não estiveram presentes no local dos acontecimentos, ao contrário do que é indicado na acusação. A próxima audiência do julgamento, na qual é muito provável que o veredicto seja produzido, está agendada para 23 de Abril. Então, será ouvida mais uma testemunha da defesa e serão feitas as alegações finais.
A Confederação Sindical “Iniciativa Anarco-Sindicalista”, com o apoio do movimento libertário na Sérvia e em todo o mundo, e de toda a opinião pública democrática, exige que o Estado Sérvio retire as acusações absurdas contra os 6 de Belgrado e pare completamente com o processo-farsa de que são alvos. Também exigimos que as acusações contra os três companheiros detidos em Vršac e contra os dois detidos no julgamento sejam retiradas, pondo fim a estes processos. Exigimos que os passaportes sejam devolvidos a Davor e a Rada, e assim permitir que regressem às suas casas. É de extrema importância continuar a pressionar o Estado da Sérvia até que o veredicto contra os nossos companheiros seja produzido, e com este objectivo espera-se a realização de acções de protesto até 23 de Abril e uma grande afluência no próprio julgamento. A solidariedade é a nossa arma!
Belgrado, 4 de Abril de 2010
Secretariado internacional da Confederação Sindical “Iniciativa Anarco-Sindicalista”, secção sérvia da Associação Internacional dos Trabalhadores
[Traduzido do inglês pela Secção Portuguesa da AIT - blog: http://ait-sp.blogspot.com/]