quarta-feira, 15 de outubro de 2008

A “crise” do sistema financeiro. Será que os parasitas “foram longe demais”?

A “crise” do sistema financeiro mundial, consequência da voracidade intrínseca dos capitalistas pela obtenção de mais e mais lucros, que os levou, sobretudo nos EUA, a darem crédito para compra de habitação, garantido pela hipoteca da própria casa “comprada”, a pessoas que sabiam perfeitamente incapazes de pagar os juros correspondentes, não se deve, ao contrário do que é afirmado nos mass media, a um funcionamento deficiente dos sistemas de controle das bolsas americanas, que deveriam ter impedido a proliferação de títulos baseados nas hipotecas cujo “valor” não assentava em nenhuma criação real de riqueza e que foram rechear os “activos” de bancos e empresas pelo mundo fora.
Não, o sistema não funcionou mal, pelo contrário. Os lucros da finança e da banca – as remunerações dos respectivos accionistas e gestores bem o demonstram – cresceram exponencialmente até ao máximo que conseguiram com este método. Agora, preparam-se para mudar de método e recorrer ao Estado, isto é, aos impostos que foram cobrados aos chamados cidadãos, supostamente para serem utilizados em seu benefício, não para, por exemplo, construir hospitais ou atenuarem o empobrecimento progressivo da população, mas para comprar os tais “activos” que nada valem e reporem a banca e a finança a funcionar em pleno para nova fase de acumulação de capital.
Observando bem, a origem da “concessão” de crédito de alto risco está no facto, absurdo para os capitalistas, de, por exemplo nos EUA, ainda existirem, há coisa de uns dez anos, milhares e milhares de americanos ainda não completamente apanhados pelo sistema financeiro, e a quem, tudo somado, ainda podiam espremer uns quantos milhões de dólares. Se não pudessem pagar os empréstimos a tempo e horas tudo bem, iriam acto contínuo para a rua através da execução das hipotecas, como já sucedeu a milhares de famílias americanas. E, agora que o preço de venda das casas hipotecadas, com tanta casa à venda, caiu de tal modo que nem em leilões as conseguem vender por preço que assegure a continuação do negócio, que fazer? Simples, serão todos os contribuintes, incluindo esses mesmos que essas empresas imobiliárias puseram na rua que vão pagar, através do chamado erário público para o qual contribuíram praticamente desde que nasceram... para “recuperar” a situação de “descalabro” financeiro a que chegaram.
São caso exemplar os dois “gigantes” americanos do crédito hipotecário, a Freddie Mac e a Fannie Mae: do bolo astronómico de 700 mil milhões de dólares que a administração americana vai oferecer a várias grandes empresas e bancos americanos, quase um terço, 200 mil milhões, destinam-se a “salvar” essas duas.
Note-se que, na mesma semana em que o Estado americano anunciava esse “pacote” de “ajuda à economia” e de “correcção ao mau funcionamento do mercado”, Jacques Diouf, director da ONU-FAO, denunciava um aumento de 75 milhões de pessoas a passar fome no mundo, em 2007, comparando com 2006 (o que eleva para 925 milhões a estimativa do número total de pessoas que passam fome hoje em dia), e que, segundo os próprios cálculos daquela organização, “será preciso investir 30 mil milhões de dólares por ano para duplicar a produção alimentar e eliminar a fome no mundo”, ou seja, uma pequena parte do que a versão actual da “ajuda” estatal vai entregar à Freddie Mac e à Fannie Mae. Claro que o que Jacques Diouf certamente sabe, mas não diz, é que o objectivo real dos capitalistas nunca foi, nem será, matar a fome à pobreza.
Esta soma colossal de 700 mil milhões de dólares será certamente tirada de alguma cartola de mágico, pois que, segundo sempre dizem, nunca há dinheiro para, por exemplo, impedir uma simples falência de uma empresa, que vai atirar mais uns tantos trabalhadores para o desemprego, mesmo nos casos em que é o próprio Estado um dos seus grandes credores directos. Claro que, neste caso, a “mão invisível do mercado” estará a funcionar em pleno e sem precisar da ajuda correctora do Estado...
.
Para nós, o capitalismo é sempre essencialmente igual a si próprio, mais “liberal” ou mais “intervencionado”, mais “livre” ou mais “regulado”, mais “privado” ou mais “estatal”: em termos voluntariamente simplistas, é uma máquina muito bem oleada de fazer fortuna e granjear poder para alguns à custa da exploração e do empobrecimento de muitos.
Não, os parasitas não “foram longe demais”. Eles preferirão sempre arrastar-nos a todos para o abismo a abdicar do que quer que seja, a não ser para ainda melhor perpetuar a sua própria existência, servindo-se do aparelho de Estado para tentar garantir por todas as formas, incluindo pelas armas se necessário, a sua sobrevivência. Não resta de facto alternativa ao capitalismo a não ser a sua destruição.
.
António Mota
- - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - -

Ao contrário do que se poderia esperar, os gestores ligados aos bancos e às empresas que supostamente entraram em “colapso” devido à chamada crise do crédito de alto risco, dos quais aqui apresentamos alguns, foram recompensados pelos lucros fabulosos que proporcionaram aos respectivos accionistas. No caso de John Thain, contemplado com um bónus de 10,6 milhões de euros pelo seu “desempenho” durante o ano de 2007, trata-se do presidente executivo da Merril Lynch, que apenas entrou naquela corretora em Dezembro. Nada mau, como recompensa de um mês de “trabalho”...
Nos EUA, tanto os ordenados como os bónus dos gestores financeiros estão directamente ligados aos lucros obtidos pelas empresas – não dá sequer para imaginar quais terão sido os lucros da Merril Lynch em todo este período de “crise”.
.