A “crise” do sistema financeiro internacional soma e segue e, como de costume, afecta sobretudo os trabalhadores, desempregados, jovens, imigrantes, pensionistas e outros deserdados. Para os capitalistas, a lógica é sempre a mesma: continuarem a encher-se à custa do trabalho alheio e da especulação bolsista, indiferentes às consequências que daí possam advir para a humanidade, como mais uma vez o demonstra a crise financeira desencadeada, desde o início do ano passado, pela especulação desenfreada gerada pelo mercado do crédito à habitação nos EUA. Este tipo de crédito foi imediatamente revendido por uma pequena parte do seu “valor” a outras instituições de crédito (a titularização dos créditos), o que por sua vez possibilitou novas operações de crédito e novas titularizações, e permitiu um rápido aumento do “valor” formal de muitas instituições financeiras e grandes empresas em todo o mundo que adquiriram estes títulos, aumento esse baseado no endividamento de dezenas de milhares de famílias americanas. Claro que, quando os compradores deixaram de poder pagar as prestações das casas e o valor de mercado destas, hipotecadas pelos bancos, tinha entretanto baixado e deixara de cobrir os empréstimos, todo este esquema começou a ruir como um castelo de cartas, o que se traduziu na restrição e encarecimento do crédito bancário em geral, com o consequente estrangulamento de toda a actividade económica – na linguagem eufemística dos economistas, a crise começou a afectar a “economia real”.
Porém, todos nós já sabíamos que este esquema, em que a “riqueza” parecia surgir do nada, não se podia manter indefinidamente. E como, apesar dos repetidos avisos que os economistas de serviço vão sempre fazendo (que o investimento especulativo não pode ultrapassar um certo patamar relativamente ao investimento produtivo, isto é, na chamada economia real) o chamariz da obtenção fácil e rápida de lucros chorudos atrai irresistivelmente os parasitas de toda a ordem, a “crise” do sistema financeiro não tem cessado de se agravar e de alastrar a nível mundial.
As consequências da especulação financeira são de tal modo devastadoras, que a Organização Internacional do Trabalho, no seu relatório anual Tendências Mundiais do Emprego, divulgado em 23 de Janeiro passado, já previa que “cinco milhões de pessoas podem este ano perder o emprego devido à turbulência da economia internacional provocada pela crise nos mercados de crédito e pelo aumento dos preços do petróleo.”(*).
Agora, chegou a vez do próprio presidente da Reserva Federal norte-americana, Ben Bernanke, vir a público reconhecer que talvez bastasse que os bancos desistissem de uma parte dos seus lucros para que se conseguisse atenuar os efeitos da crise actual. Depois de, desde Setembro passado, terem sido dadas várias “explicações” para o desencadeamento da “crise” e propostas várias medidas (a culpa seria do excesso de crédito e dos especialistas encarregados de avaliar o “valor” bolsista das empresas cotadas em bolsa, a solução seria todas as empresas cotadas deixarem de aldrabar nos seus relatórios e assinalarem claramente os valores fictícios aí incluídos, ou então as instituições de crédito alargarem o prazo de reembolso dos mesmos), Ben Bernanke, no dia 4 de Março, lá acabou por sugerir nada mais nada menos do que o perdão, pelos bancos, de parte dos empréstimos, como forma de suster o agravamento da “crise”, o que para estes deve constituir a suprema heresia.
Esta conclusão, a que Bernanke penosamente chegou, apenas vem confirmar o que nós temos afirmado ao longo do tempo: que o verdadeiro responsável pela miséria e constante degradação das condições de vida da população mundial é o sistema capitalista, baseado na remuneração crescente dos capitais investidos, o que, devido ao aumento contínuo da concorrência inter-capitalista, se torna cada vez mais difícil e conduz, periodicamente, a guerras cada vez mais destrutivas e cada vez mais frequentes, que possibilitam novo ciclo de “desenvolvimento” e de acumulação do capital, baseado na reconstrução do que foi destruído, financiada por “generosos” grupos de investidores, como verificámos, por exemplo, nos casos da ex-Jugoslávia e do Iraque.
Aos trabalhadores, oprimidos e desapossados em geral, não resta mesmo outra perspectiva que não seja a necessária expropriação dos expropriadores, a destruição desta sociedade iníqua e a sua substituição por um meio social assente na liberdade individual, na igualdade social, na cooperação pelo livre acordo, na ajuda-mútua e na solidariedade.
António Mota
(*) Referido no jornal “PÚBLICO” de 25/1/2008 – sublinhado nosso.
artigo publicado no Boletim Anarco-sindicalista nº 26 (disponível para descarregar em pdf aqui)